As editoras, sejam portuguesas ou não, raramente gostam do Conto, da "Short Story" como dizem os americanos ou do "Cuento" ou "Novela de Curto Plazo" no dizer dos sul-americanos. Por isso, não publicam esse "género menor", salvo nos casos em que o autor paga a edição ou quando uma "alta autoridade da televisão" lança o nome do autor, mesmo que seja em actividade completamente desgarrada da literatura.
No meu caso, tanto o conto como a novela curta fascinam-me e publico-as num blog com a consciência de nem serem lidas. Podem ser curtas e lidas em cinco a dez minutos, mas isso hoje acaba por ser uma eternidade. Quem tem paciência para mais de dez linhas ou mais de 30 segundos na Televisão? As televisões habituaram-nos a concentrar a atenção sobre algo durante segundos e, em casos mesmo excepcionais, minutos. Contudo, há países onde escritores se notabilizaram no conto, e são essencialmente sul-americanos de fala hispânica. Garcia Marques, Cortazar, Borges, Juan Rulfo, Mario Benedetti e tanto outros notabilizaram-se no conto, apesar de alguns terem também sido grandes romancistas.
No conto, o autor não tem a pretensão nem a arrogância de criar um mundo como sucede no romance, mas tão só contar uma peripécia em que, eventualmente entre mais que um personagem com capacidade para dialogarem entre si. Mas, a peripécia traduz sempre um momento da vida das pessoas e do ambiente que as rodeia, daí poder buscar um Século inteiro para contar algo de maior ou menor significado em dados momentos históricos. Mesmo um Século chato porque passou e deixou pouco para além do computador e de umas mecânicas. O Século XX foi o da morte das ideias. A inteligência humana parece que se passou lentamente para as maquinas. Sem elas já não somos nada, nem escrever sabemos sem o portátil.
O conto sul-americano teve, sem dúvida, um grande desenvolvimento e não foi por acaso que o um prémio Nobel foi concedido a um contista puro. Refiro-me a Jorge Luís Borges, o autor que me fez um apaixonado por esse género literário, seguindo-se depois Raymond Carver, o inolvidável escritor das "short stories" e da escrita criativa. Carver foi um Tchekov americano, sendo que Tchekov foi o maior contista russo, e talvez do Mundo, de todos os tempos. A simplicidade de Carver e a forma como transmite nos seus escritos o tédio materialista de uma grande parte da sociedade americana que tem tudo, mas não tem nada ao mesmo tempo, finge ser feliz e é profundamente infeliz. Come hamburgers a julgar que participa na sociedade democrática e, sem saber, é totalmente dominada por esse "Big Brother" chamado televisão.
Raymond Carver, como nenhum outro, é um fotógrafo por palavras e mostra as traseiras, a roupa estendida, as fraldas descartáveis e a monotonia que se apoderou de uma sociedade já globalizada a nível mundial neste aspecto. Carver é genial a descrever as vidas paradas e essas são praticamente todas. A peripécia em Carver é a chatice, ninguém pode ser político nos EUA, a não ser que seja milionário ou filho de presidente. Cada um tem a sua vidinha e nada mais. Mesmo assim, ainda não foi Raymond Carver quem teve a coragem de chegar ao âmago da realidade. À monotonia verdadeira, ao desencanto total da vida velha, ao apagar triste de cada ser humano na lenta degradação neuronal ou ambiental. Os humanos são trapos a morrer e vivem como trapos mais ou menos animados.
A literatura, tanto no conto como na novela, é uma fuga à realidade. A peripécia pode ter sido um acontecimento, mas é sempre fortuito, não é a realidade no seu todo. Essa, ninguém tem coragem para a descrever. Claro, eu muito menos. Mas qualquer dia alguém terá de o fazer. Não podemos ser apenas um Mundo de sete mil milhões de fingidores.
Arundati Roy em "Um Deus das Pequenas Coisas" aproximou-se bastante, tal como Robert Musil em "O Homem sem Qualidades" andou por perto da realidade, mas também não atravessou a última fronteira. A realidade é a consciência que todos temos e fingimos não saber da sua existência de que a vida não é ideal e nada de espantoso vai acontecer no tempo de cada um. Mesmo os acontecimentos cheios de grande intensidade como as revoluções ou guerras tornam-se incrivelmente monótonos e gastos logo ao terceiro dia. A tragédia da morte diária é o mais inconcebível dos acontecimentos e muito pior que o mesmo café tomado todas as manhãs ao longo de muitas décadas de vida. Enfim, resta-nos contemplar o azul do céu e as ondas do mar. O sol e a água podem encher-nos sempre de alegria. Fomos feitos disso, é a nossa matéria-prima essencial.
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