A linha da Frente nas Costas do Ártico
Há precisamente 70 anos atrás, o meu pai vestia o uniforme da « Wermacht « (Exército Alemão) e estava em Narvik no Norte da Noruega à espera de transporte marítimo com a divisão em que estava integrado para irem para a Alemanha.
Quando ouviram que a guerra tinha acabado, os soldados alemães, incluindo o meu pai, fizeram uma festa foram beber o que restava de umas aguardentes que tinha escondido. Já um pouco toldados foram comemorar nos rochedos que davam para o fiorde e lançaram à água as suas Mausers e capacetes de aço, cantaram e riram em conjunto. O meu pai dizia que estavam ali perto umas norueguesas muito espantadas com a reação daquela soldadesca alemã. Mas, é preciso acrescentar que o meu pai foi mobilizado com 34 anos de idade e os seus camaradas de armas tinham entre 16 e 18 anos de idade. O meu pai até tinha a alcunha de avô e a ele é que perguntaram logo o que iria acontecer; o meu pai disse, não sei, mas sei que estamos vivos com saúde e vamos festejar as nossas vidas e vocês a vossa juventude, o resto não interessa. Pela sua “avançada” idade e conhecimentos técnicos, o meu pai era o conselheiro de toda a gente, pois até os tenentes e capitães pouco mais de vinte anos tinham. Ninguém verteu uma lágrima pela Alemanha e menos ainda pelo nazismo. Os nazis mais convictos levaram menos de um minuto a deixarem de o ser.
Aquela tropa constituía o então chamado exército branco que aguentou a frente de Petsomo entre a Finlândia e a URSS muito a norte do Círculo Polar Ártico; o meu pai via sempre o Ártico.
Na linha da frente, cada soldado não podia disparar mais de 10 balas por dia e não havia tanques, canhões de grande calibre ou aviões. O que vale é que os soviéticos ali nunca acertava em nada, nem com artilharia, nem com aviação. A tropa alemã estava bem dispersa e camuflada de branco no inverno e cinzento/castanho no verão. A única coisa que os fazia reconhecer era o fumo dos gasogénios, pois os camiões funcionava a gás pobre produzido com lenha ou carvão em gasogénios instalados nos lados das viaturas, mas tinham o cuidado de se deslocarem quando as nuvens estavam baixas ou no início ou fim do dia. De resto, naquela zona era raro um dia claro de sol.
No inverno, as balas e bombas enterrava-se na neve e no gelo antes de explodirem e na primavera e verão enterravam-se na lama, pelo que sujavam mais do que matavam. Havia em Narvik um avião de transporte alemão JU 52 para paraquedistas que quando a frente estava um pouco mais em perigo aparecia a voar a poucos metros do chão e os paraquedistas alemães lançavam-se para a neve sem paraquedas, dando umas cambalhotas sem perderem a respetiva arma.
No dia em que a guerra acabou começaram a distribuir aos noruegueses de Narvik os seus VW de guerra e os camiões e o meu pai foi instalar umas aparelhagens de Raios X no hospital local, ficando instalado na casa do respetivo diretor. As relações com os noruegueses tornaram-se muito amigáveis e até com a resistência que receberam grande parte do armamento alemão, O general alemão ordenou que se retirassem todas as bandeiras nazis e que o tecido fosse cortado para fazer lençóis ou agasalhos para vestir por dentro das fardas, pelo que muitos soldados começaram a coser umas cuecas com as bandeiras do “glorioso” Império nazi.
O meu pai ainda chegou a instruir elementos da resistência norueguesa no manejo das metralhadores MG 34 e 44, pois temiam que os soviéticos resolvessem avançar até Narvik e quiseram ficar com todas as armas disponíveis. Além disso, o meu pai ajudou a ampliar o hospital da cidade e a instalar para a resistência um hospital de campanha num local instalado numa península escondida.
Uns cinco dias depois vieram os ingleses, desembarcando armados com tanques e tudo como se a guerra não tivesse acabado e os alemães não estivessem a colaborar com os noruegueses em tudo o que podia, ajudando em pequenas obras na cidade e na montagem de oficinas de reparação de carros.
Quando os ingleses viram os noruegueses com as viaturas alemãs foram logo tirá-las e obrigaram a resistência a devolver aos alemães as metralhadoras e outras armas entregues. Os ingleses falaram com o general alemão e quiseram que tropa alemã ficasse tal como antes no seus acampamentos e com as respetivas armas, coisa que ninguém compreendia, pois juridicamente eram prisioneiros de guerra, mas armados é que não entendiam e ninguém queria ter mais algo a ver com qualquer arma
Churchill temia o avanço soviético na Escandinávia e pensava utilizar aí as forças alemãs se fosse necessário ou, pelo menos, dar a entender que podiam ser utilizadas para evitar a invasão da Noruega.
Lentamente a situação foi-se esclarecendo e os estadistas fizeram os seus acordos pelo que a situação melhorou, mas mesmo assim, os ingleses disseram ao general alemão para depositar as armas nuns armazéns improvisados e retiraram tudo o que foi dado aos noruegueses, o que deixou a resistência furiosa.
Passado mais de um mês, os ingleses descobriram que havia um engenheiro eletrotécnico alemão que tinha montado uns aparelhos de Raios X e que eram o mais moderno que havia no Mundo então. Mandaram uma companhia cercar o hospital para retirarem os aparelhos, enquanto o meu dormia na casa do diretor. Logo de seguida apareceu a resistência bem armada e esteve quase a combater os ingleses. Depois apareceu o meu pai e deram-lhe logo ordem de prisão por roubo de material que tinha passado a ser inglês. O meu pai ainda disse que havia mais aparelhos noutro hospital de campanha que não tinha sido desmantelado por estarem lá alguns feridos alemães.
Depois de muitas conversações com a resistência, os ingleses deixaram-se convencer e mandaram vir um navio hospital da marinha britânica e o meu pai embarcou com os aparelhos para os instalar lá. Passou uma semana bem instalado e tratado com muita afabilidade pelos ingleses até porque o meu pai falava inglês, o que era raro num alemão, exceto nos que tinham cursos universitários.
Antes de embarcar, os soldados alemães tinham de mostrar os seus pertences e o meu pai tinha uma caneta Parker e um relógio Tissot, pelo que os ingleses disseram logo, isso foi roubado, já que nenhum alemão tinha desses objetos. O meu pai explicou que vivia em Portugal onde comprara isso. Os ingleses desconfiados chamaram um oficial da marinha inglesa que conheceria Portugal. Falou com o meu pai que verificou que o homem só conhecia o Cais do Sodré e o Bairro Alto, pelo que lhe perguntou como se chamava o bairro das meninas. O meu lá respondeu e pronto, ficou aprovado.
A seguir foi embarcado com o resto da tropa e levado para Hamburgo onde foi imediatamente libertado depois de “desnazificado”, isto é, assinar com juramento um papel em que repudiava as ideias nazis e comprometia-se a não se inscrever em nenhum partido com essas ideias ou vontade de fazer guerras.
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