Sábado, 2 de Fevereiro de 2019

Conto da Palma da Mão: Ela

 

 

 

António entrou no Senhor Roubado, já vinha um pouco atrasado e o Metro perto das nove enche-se logo ali. Na Ameixoeira entrou mais gente e muito mais no Lumiar. António ficou de pé numa plataforma de porta e, de repente, ficou espantado, viu-a na outra plataforma. Não podia deixar de a reconhecer imediatamente e olhou com os olhos muito abertos para ela que se colocou de pé virada para ele. Não desviou a cara e fitou-o com interesse; António fez um aceno com a cabeça e queria sorrir, mas não conseguiu, a tristeza apoderou-se dele. Ela acenou timidamente e não desprendeu os olhos dele.

António pensou para consigo: a Armanda está na mesma, bonita como sempre, não engordou e mantém aquela saia negra. Ela parecia compreender o que ele pensava e soergueu as sobrancelhas como que para ver melhor. O semblante de António deveria mostrar uma profunda tristeza e dizia-lhe em pensamento: que pena ter-te perdido por tão pouco. Fomos casados cinco anos e por quase nada separámo-nos e divorciámo-nos, não deixámos nada um para o outro, nem uma criança. Será que ela tem alguém? É muito possível, a Armanda é demasiado mulher para não ter homem. Eu é que nunca mais arranjei alguém como ela. Vou tentar falar-lhe, mas isto está mais que cheio. Talvez no Campo Grande saia muita gente e então aproximo-me; ela quer falar comigo pois não desviou por um segundo a cara de mim. Podíamos reatar a nossa ligação; passaram-se anos, mas como? Estou prestes a perder o emprego, a direção da Companhia Marítima já disse que ia dispensar metade do pessoal, logo que fosse publicada a nova legislação do trabalho. E para que serve um desempregado a uma mulher como a Armanda, ela vem bem vestida, mas não mudou de hábitos desde há mais de cinco anos, traz um belo anorak vermelho.

No Campo Grande saiu muita gente e a Armanda também. António viu-a atravessar o cais e dirigir-se para a outra linha do Metro. Para onde irá? Perguntou a si mesmo e porque razão nunca a vi nesta linha em que viajo há tanto tempo duas vezes por dia.

 

publicado por DD às 19:29
link do post | comentar | favorito

.mais sobre mim

.pesquisar

 

.Janeiro 2023

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
31

.posts recentes

. L'Étranger

. A Solidão do Homo Sapiens

. Dos Zigurates Sumérios ao...

. História do Dia

. O Juiz não conhece a Semâ...

. Casal Ventoso

. Neto de Moura, O Meritíss...

. Conto da Palma da Mão - A...

. O Suicídio do Sósia

. Inédito de Dieter Delling...

. Ali Aziz, O Vergastado

. As Memórias de Kant

. Conto da Palma da Mão: El...

. Conto Inédito de Dieter D...

. A Morte de Cristo em Verd...

.arquivos

. Janeiro 2023

. Janeiro 2022

. Setembro 2021

. Dezembro 2019

. Março 2019

. Fevereiro 2019

. Janeiro 2019

. Dezembro 2018

. Novembro 2018

. Agosto 2018

. Julho 2018

. Junho 2018

. Abril 2018

. Fevereiro 2018

. Janeiro 2018

. Dezembro 2017

. Novembro 2017

. Outubro 2017

. Junho 2017

. Outubro 2016

. Fevereiro 2016

. Janeiro 2016

. Maio 2015

. Janeiro 2015

. Fevereiro 2014

. Novembro 2013

. Junho 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Maio 2012

. Março 2012

. Maio 2011

. Setembro 2010

. Junho 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Agosto 2009

. Abril 2009

. Junho 2008

. Maio 2008

. Agosto 2007

. Fevereiro 2007

. Janeiro 2007

. Dezembro 2006

. Setembro 2006

. Março 2006

. Janeiro 2006

. Julho 2005

. Março 2004

. Fevereiro 2004

. Janeiro 2004

.tags

. todas as tags

.links

blogs SAPO

.subscrever feeds