Domingo, 6 de Janeiro de 2019

O Milagre de Jesus Caído

 

    O construtor civil, um pouco bêbedo como de costume, contemplou mais uma vez a sua obra, a Rua de Vila Nova, os seus prédios de terceiro e quarto andar, um azul, um branco, outro beige. Casas simples de platibanda a esconder o último piso recuado por causa da cércea e dos untados fiscais camarários.

            - Fiz tudo isto – diz ao seu cliente Lang, que o acompanhava, sorridente, meio irónico, enquanto brincava com o medalhão dourado ostentando a efígie de Salazar. Jonas, o construtor, sabia que Lang não gostava de ditadores, por isso exibia-lhe sempre o medalhão.

            - É de ouro? Perguntou Lang.

            - Claro que sim, é uma preciosidade e olhe que até ao presidente da Câmara que é comuna o mostro.

            Todos o conheciam pelo construtor, ou Jonas, instalado aparentemente na vila que não é vila nem nada, muito branca e algarvia, cada vez mais cimento, paredes estreitas, tinta e alumínio. Quando não bebia, nem construía, o que deixou de fazer há alguns anos, Jonas fazia filhos à esguia cabo-verdiana com quem partilhava a sua vida, salvo nos intervalos em que esta se escapulia para Lisboa, para casa da irmã, cansada das sovas que o construtor lhe aplicava.

            Para Jonas, mais do que para os outros habitantes da vila, aquilo era a sua Rua, apesar não ter mais do que um apartamento como o resto dos condóminos dos diferentes prédios erguidos pelo construtor. A fortuna do Jonas foi uma consequência do 25 de Abril, naturalmente aliada à visão inicial e depois cobardia do "marroquino", o Benjamim, que fez uns dinheiros no Marrocos para investir ali na Vila Nova e fugir depois para o continente africano quando as circunstâncias políticas deram-lhe a impressão que aquele empreendimento ia por água abaixo. O Jonas, então funcionário de finanças e contabilista nas horas vagas, acabou por tomar conta de tudo, continuar a obra, vender os apartamentos, pagar os empréstimos bancários e auferir de lucros apreciáveis.

            - A propósito de medalhões, pelos quais tenho uma quase paixão, principalmente pelos dourados, vou contar-lhe a história de que fui protagonista quase involuntário, pelo menos no aspecto final da mesma – disse ainda Jonas no meio de uns copos bem cheios de whisky.

            - Foi numa quinta-feira Santa, quando vi o andor do Padre Jesus Caído, também conhecido por Nosso Padre Jesus das Três Quedas, coberto por um imenso pálio sustido por varas douradas, na procissão da respetiva irmandade em Sevilha, a sair da Igreja. Paramentado de negro, com uma corda ao pescoço que enrolava também a cintura, ia o Cristo caído sob o peso da cruz. Não foi isso que me fascinou, foi o brilho ofuscante dum medalhão dourado que pendia do rico candelabro colocados à direita do Cristo e que chegava à bordadura do pesado pálio. Estava ali mesmo à mão de semear. Preguei-me ao dossel do andor e percorri todo o longo caminho do martírio do Redentor na capital gatidana. Eu não queria, mas a minha mão mexia, estava como que apontada ao medalhão, o maior que nas circunstâncias eu alguma vez vira; o gigante de luz que baloiçava sob os movimentos ondulantes dos costaleros quando erguiam o andor e faziam-no deslocar para a frente por mais uns metros. Como eu desejava ter um capuz de nazareno ali por cima da minha cabeça e uma daquelas vestimentas negras. Sim, pelos olhos ninguém seria capaz de me reconhecer. Nunca mais acabava aquela procissão. Subimos a encosta do Rosário, descemos a Villegas, passámos pela Plaza de Villasis, Plaza del Duque até entrarmos por fim no átrio da Igreja, em Luchana. A madrugada ia adiantada e eu cada vez mais fascinado por aquele medalhão que já pouca luz tinha para reflectir, mas continuava como uma espécie de sol para mim.


            Jonas, engolia em seco e para lubrificar a garganta ia engorgitando mais um escocês, enquanto Lang, sério, acompanhava a história com todo o interesse de alguém que vê no sul da Península algo de fascinantemente narrável.

            - Foi uma trabalheira, a entrada do andor na Igreja, teve de ser inclinado, os varões dourados do pálio ultrapassavam a altura do umbral do imenso portão da Igreja. Os espinhos dourados da cabeça do Cristo roçaram a porta e parece que iam cair, mas não, tudo se recompôs e o Pálio foi para uma das naves do templo. Cobriram-no todo com um pano negro, o medalhão ficou lá tapado, não o tiraram do sítio, como eu temia. Depois, os encarapuçados de negro rodearam o andor, benzendo-se e ajoelhando para rezar. Os paisanos, como eu, atrás faziam o mesmo. Davam toda uma volta ao pálio para fazer o sinal da cruz; seguiu-os naquela via-sacra e postei-me ali ao pé do candelabro da direita. Ajoelhei, abri os braços para o alto e depois curvei-me para o chão, juntando as mãos numa prece fervorosa e dizia para comigo: Santíssimo Cristo da Conversão do Bom Ladrão e Padre Jesus Caído das Três Quedas deixai-me tirar o medalhão.

            Parece que fui ouvido; de joelhos comecei a avançar em direcção à seda do dossel e cheguei bem junto ao paramento negro que cobria o candelabro da direita, inclinei-me para o chão, toquei mesmo com a testa no chão, abri os olhos e vi até onde ia o medalhão por baixo do trapo negro. É só um palmo do chão, observei para os meus botões, abri os braços e em pleno transe espiritual chorei pelo sacrifício do Cristo Caído, a minha cabeça já estava junto ao pano, enquanto a mão por baixo puxava o medalhão. Fiz força e o metal não cedeu, puxei mais uma vez, nada, olhei para trás, ninguém parecia prestar a mais pequena atenção à minha pessoa, atrás de mim um careca fechava os olhos em pranto oratório, enquanto eu procurava enxugar as minhas lágrimas no pano negro, as duas mãos já por detrás fingiam encostá-lo à minha cara para logo de seguir agarrarem o medalhão, partirem o cordão e vitoriosamente levar a desejada peça ao bolso das calças. Voltei a inclinar a testa quase até ao chão, quando juntava as mãos em oração de graças. Aleluia, aleluia, dizia o meu coração rejubilante, já cá canta o medalhão.

            Lang ainda perguntou ao Jonas se não sentia que estava a pecar, a roubar na Casa do Senhor.

- Não, porque o Cristo era também o do Bom Ladrão, segundo o próprio nome da Confraria que o albergava. Mas depois comecei a sentir a consciência a reclamar o seu tributo.

            - Aqui em Vila Nova é que me atrevi a olhar pela primeira vez para o medalhão. Tinha saído à pressa da Igreja e quase a correr percorri o longo caminho até ao local em que tinha deixado o carro. Depois foi carregar no acelerador pela auto-estrada até Huelva e daí à Ponte e à Via do Infante. Parece que sentia sempre alguém a perseguir-me, julgava ver nos faróis dos carros que vinham atrás algozes implacáveis que queriam vingar o insulto feito ao Senhor Jesus Caído, também das Três Quedas.

            - Era já alta madrugada quando cheguei a casa, olhei para o medalhão, sorri para comigo mesmo, e coloquei-o na gaveta da mesa-de-cabeceira. Deitei-me extenuado. Adormeci logo como um santo, sem peso de consciência.

            - Mas no dia seguinte, sentiu alguma coisa a roer a alma, ou a mente? Perguntou Lang.

            - Ainda não, acordei de manhã sem pensar no que tinha feito. Quando acabei de tomar o café é que resolvi olhar para o medalhão. Pelo peso pareceu-me ser mesmo de ouro. Ah – pensei para comigo – os gajos já têm de novo ouro nas Igrejas. Vão longe os tempos da guerra civil e da miséria franquista, possa. Mas, o medalhão brilhava de uma forma invulgar, coloquei-o no escuro e continuava a brilhar. Mas não era fosforescente, não, aquilo era um ouro especial a brilhar. Nunca pensei no eventual valor do medalhão, o que interessava não era a peça, mas sim o modo como o obtive. Sim, terminado o "modus operandi", esgotou-se a graça do medalhão.

            - Ah, então acabou por ir devolvê-lo. Não acredito que ainda esteja na sua posse, disse-lhe Lang.

            - Claro, deixei passar a Sexta-feira e o Sábado. Na madrugada de Domingo fui lá. Rastejei, ajoelhei e dei não sei quantas voltas ao andor ainda coberto pelo imenso pálio.. Ouvi os nazarenos falarem do roubo do medalhão, um deles contava que era a única peça de valor. Havia quem chorasse o insulto. Palavras raivosas, pronunciadas com grande rapidez no castelhano andaluz, quase sem deixar ouvir as consoantes. Também chorei e aproximei-me do dossel de seda, já ninguém prestava atenção, todos se preparavam para festejar a Ressurreição da Carne logo que o sol despontasse. Não quis estragar a festa e num ápice coloquei o medalhão junto ao candelabro e não fugi. Afastei-me um pouco e caí numa das cadeiras da Igreja, esgotado por tanta comoção e pelo adiantado da hora que a madrugada estava a terminar.

            O Domingo nasceu com sol e aquele inesquecível perfume dos botões de laranjeira a florir, os botones de azahar cantados pelo tão sevilhano poeta Gustavo Becquer. La Primavera ha venido, nadie sabe cómo ha sido, dei comigo a citar o poeta com alegria.

            Quando os descarapuçados levantaram o paramento negro, que por debaixo do pálio cobria o Cristo, viram logo ali o medalhão. Milagro, milagro, berravam todos bem alto; persignavam-se vezes sem conta, fazendo os três sinais da cruz cada vez com mais rapidez e batiam com o polegar no peito sempre com mais força. É impressionante a fé daquela gente que, apesar disso, vota sempre à esquerda.

            - E fui eu o autor do milagre. Sabe, amigo Lang, à tarde, quando regressei a Vila Nova, ouvi o relato entusiástico do milagre na rádio. Todas as estações andaluzas noticiavam o evento, o milagre da conversão do bom ladrão, premonitório das muitas felicidades que o poder divino iria derramar na Andaluzia.

            - Sim, pelos vistos, eu fui um instrumento de Deus, ou de Jesus Caído, para pregar uma partidinha aos seus prosélitos. Nunca lhe disseram que também há um humor Divino? Pois há, há!. 

 

An den Prozessionen nehmen einige hundert Personen teil, die jeweils der Bruderschaft einer Kirchengemeinde angehören. Vorneweg werden die „Pasos“ getragen, grosse Ikonen und Marienstatuen. Die prachtvollen Pasos wiegen zum Teil über 3.000 kg, die die Costaleros, die Träger,  während der bis zu 8 Stunden dauernden Prozession auf ihren Schultern tragen müssen. Ihnen folgen die Begleiter, die man in Spanien Nazarenos nennt. Übersetzt bedeutet dies Büßer. Aufgrund ihrer besonderen Tracht, den langen Büßergewändern und den Spitzhauben, sind sie das Sinnbild der Osterprozessionen.  Leider fühlen sich viele bei ihrem Anblick an den Klu Klux Clan erinnert, aber es sei hier noch mal gesagt, dass dies nichts miteinander zu tun hat. Die Prozession folgt einem vorgegebenen Weg, ausgehend von der Kirche der jeweiligen Bruderschaft und während dieser Prozession erfüllt sich der Bußakt der Gläubigen. Während die Bruderschaften durch die Strassen ziehen säumen tausende Gläubige und Schaulustige ihren Weg.

 

Der Ursprung der Semana Santa

 

Seinen Ursprung haben die Prozessionen in Sevilla, die auch heute noch zu den schönsten und eindrucksvollsten Prozessionen im ganzen Land gehören. Die ersten Bruderschaften, die Hermandades, bildeten sich hier im 14. Jahrhundert und sie führten die ersten Prozessionen durch, bei denen sich die Gläubigen geißelten um für ihre Sünden zu büßen. Ende des 19. Jahrhunderts setzte sich die Kirche intensiv für die Wahrung christlicher Bräuche ein und wahrte so die Traditionen der Semana Santa.  Nachdem auch die Städte erkannten dass die Semana Santa sich zu einer beliebten Touristenattraktion entwickelt hat wurden die Bruderschaften gezielt gefördert. In den letzten Jahren erlaubten sogar einige Bruderschaften Frauen die Teilnahme an den Prozessionen.

 

 

 

 

publicado por DD às 08:45
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